quinta-feira, agosto 17, 2006

(esboço)

encontrei-a num dos dias da caminhada. ainda não tinha dado por ela no grupo, mas a novidade não alvitra surpresa, é coisa comum não vermos muitas vezes o que está à vista. trocámos as palavras que as circunstâncias sugeriram, mas apenas a encobrir o diálogo averbal que se gerou. soube bem, ter novamente no grupo um elemento que espera por mim na retoma da marcha, que procura uma sombra onde caibam dois, a cada nova paragem. que me interpela para me perguntar qual é o meu aroma predilecto, naquele justo instante em que a fadiga e o aborrecimento me iam já tomando de vencida, obrigando-me a acumular maresia nos cantos dos olhos. nunca quero chorar durante a marcha, e isto por muitas razões. porque o frio convida a manter as mãos dentro das luvas dentro dos bolsos, e é incómodo estar a despir as mãos. porque quebra o ritmo e entorpece as pernas. porque o revestimento do sobretudo não enxuga as lágrimas, se a preguiça me impusesse que apenas esfregasse o braço pela cara. porque o grupo é quieto, e, às claras, pouco dado a comoções. pelo constrangimento, meu e dos outros. porque assim me escuso a responder a perguntas. na décima noite o líder fartou-se. sem uma palavra, largou as cartas e o equipamento demonstrativamente na ágora do local da pernoita. quem quisesse que os tomasse. não passou meia hora até às primeiras altercações. «o que ia ser de nós, deixa estar que eu faço, tu, alguma vez, eu, sim, claro que sim». mantive o silêncio, atento à discussão. ela juntou-se-me e sondou a minha opinião. perguntei-lhe ao invés qual era o aroma predilecto dela.

Martinho