terça-feira, setembro 11, 2007

"Der Tod des Kinds"

caída a um canto, pernas atiradas, vestido torcido deixando-lhe nú um ombro, osso e pele, quase não mais, cabeça suspensa só pelas peles do pescoço, senão tombar-lha-ia costas abaixo, olhos de vidro líquido, lábios abertos o espaço de um suspiro de ave canora, indecisa se há-de exalar mais um grito, está a Mãe. baba-se do choro há muito, e há quase tanto que deixou de se importar com isso.
o Pai, esse, desde logo se calou, sente a cabeça atravessada de orelha a orelha por um espeto que, alfinete, faria dele mosquito. ensurdeceu, emudeceu também claro, vê ainda, contudo, mas só vultos. o sabor do que come é igual a soro que se lhe injectasse por intravenosa, igual a água quente. este amontoado de carne só sai deste estado de pré-putrefacção por acção dos medicamentos, para dormir, sedado. e não apodrece de uma vez, por última vontade própria, porque outros o vão impedindo, e ao próprio ainda não lho ocorreu.

a vida fora diferente, alegre, difusa, anónima e alegre. com cinzentos, com pastéis e garridos, por vezes, também. agora resta a dor infinita. o grito numa nota perpétua. o grito numa nota ininterrupta, dilacerante, capaz de tornar sandeu o último dos sãos.

tudo isso, é só o que se imagina, vendo de longe a areia de uma praia com sotaque, e nela um lençol a esboçar um vulto. tudo isto é, suponho (porque, sabê-lo, não sei, nem quero), infinitesimalmente menor e menos negro do que o foi, e será ainda para o Pai e para a Mãe.

que a terra nos poupe, por mais umas horas.

quanto a mim, penso neles. às vezes choro.


Martinho