domingo, junho 04, 2006

Teias e pó

Resolvi hoje sacudir a preguiça, abrir a gaveta há muito fechada e tirar de lá de dentro a pasta onde se lê em letras cor de ouro acobreado Finalista.
Tenho vontade de me encostar a um pinheiro, no Algarve (viram como chegou o bom tempo?), armado em duro e com ar de poucos amigos, por detrás dos óculos escuros, a fumar - e a fruir desse cigarro, que é coisa que já não acontece - enquanto revejo o arrepio de pele que só com muito calor se pode sentir. É um arrepio cínico, falso, porque dum falso frio vem.
Tenho saudades do que ainda me lembro, mas choro a choro solto do que me esqueci. Por ter sido meu, e hoje já não ser de ninguém, porque nem sequer é alguma coisa. E a renovação que o passado ainda recente, ainda fresco por ter sido o último, me sugeriu, existe mesmo, não nos iludamos... isto pode não durar para sempre, mas ainda dura que chegue para umas quantas mudanças de pele.
Não andas longe de pareceres um tontinho, não andas longe da total obliteração, que é algumas vezes a passagem do tempo, sobre alguns dos capítulos que tão afincadamente grafaste. E por mais melancólico que fiques, por mais que aches que só numa noite de um valente pifo num jantar de velhos amigos te reencontras, depois o arrepio cínico instala-se, as horas passam, a vida impõe-se-te, e não chegas a fazer nada que te possa ter ocorrido nos entretantos. Calas esses pequenos embaraços, na esperança da quase certeza que os outros terão a sensatez de fazer o mesmo.
Por fim abraças a mulher e os filhos, ela que se queixa d'os trapos azuis que só servem para ganhar pó e que de que tu nunca mais te vês livre, eles que ainda não sabem o que é um finalista, ou a saudade. Terminas a noite de domingo já antevendo o que te espera a manhã renovada da segunda-feira, enquanto te congratulas por os teus filhos (ainda) não saberem o que é a dor da ausência, que é como adormeceres a tua própria mão para te iludires, a fazer parecer que não és tu quem te passa a mão pelo pêlo.

Martinho