quinta-feira, outubro 16, 2008

uns afinais

Voltadas páginas, encerrados anuários, eis que reparo que se cumpriram umas quantas profecias.
Calhou vir hoje até aqui, ao lado de fora do cotão, reler-me.
Não pode deixar de ser com nostalgia que constato que continua a passar o tempo; que diante de nada se detém. Fui relendo e recordando, nuns momentos só assim, noutros com mais comoção, até que vi que foi há exactamente dois anos que morreu o Lucky. Foi por isso que me resolvi a passar ao lado de dentro do cotão.
Agora, tecer considerações sobre as implicações da morte do meu gato nos dois anos que se lhe seguiram é válido, e, ademais, tentador. Permitir-me-ia deixar um registo feito, picar o ponto, escapando-me ao fundamental. Mas não estou para aí virado. Pico o ponto, sim, mas só para dizer que o tempo continua a passar, e que eu há muito continuo a fugir do fundamental. É mais cómodo assim. Só não me vou atirar areia para os olhos e fingir que me ocupei assim tanto do luto. Não sei do que é que me ocupei. Sei que fiz mais do mesmo.
Sei que continuei a deambular por aí, pelas ruas de Lisboa, à espera de algum dia tropeçar numa pedra da calçada.
Sei que continuei os meus outros lutos, e que acatei por fim com paz a viuvez minha, dos meus outros lutos. Sei que ainda sou viúvo.
Sei que continua à chuva e em silêncio e em resignação a minha pedra da calçada.
Estarei sempre à tua espera. Quando quiseres, vem.
Podes partir os vidros.

Martinho