segunda-feira, julho 03, 2006

Uma das caves da alma

Um cigarro solitário, só solitário porque não tem companhia, não porque seja o único que fumo de uma assentada, deu-me a ilusão que procurava, a de que me conseguia sossegar. Enliado o fumo de um cigarro noutro, deixo contudo descer-me aos olhos a pergunta "Para quando?"

Soprando o fumo mono, monocromático, monótono, sei secretamente que tenho a resposta numa das caves da alma. Preferia não o revelar a ninguém, mas não nos percamos por aí. O último dos sentidos dos segredos é virem a ser revelados. Para nunca, é a resposta. Ou só para alguns, o segredo.
Desci já muitas espirais, das de desespero, brancas, lisas, sem corrimãos ou bordas a que me possa segurar. Da queda no fundo fica o torpor, o indispensável repouso que se lhe segue, e o despertar trôpego do dia seguinte, essa manhã sem hora para o ser, é quando calha, até de noite. Fica a garganta seca, meia dorida, e a descoberta por entre olhos ainda que fechados de remelas presas nas pestanas, de um novo jardim, feio, meio abandonado, cagado pelos cães, tão diferente do das primeiras primaveras. De espantar que por cá ande tanta gente...

Apetece perguntar "O que fazem por aqui?", mas o pudor do ignorante que de si sabe, ao menos, isso, cala a curiosidade. Também, serve de remédio saber que cedo se descobrirá, basta aguardar e observar um pouco.

Não há escadas de saída, muito menos elevadores panorâmicos, com música ambiente e um ascensorista idoso e cordial a perguntar se seguimos directamente para o êxtase, ou se nos ficamos por um qualquer entremeio. Há quedas, mais quedas e fundos sem saídas a não ser outras quedas. A gravidade não perdoa, e à alma, ainda lhe falta muita engenharia.

Sento-me desistente a um canto, prestes a sacar de tabaco e de lume, contente por poder fumar, e por ter descoberto um recanto afinal tão agradável. É só quando acabo de desviar o olhar da ponta do cigarro casada com a chama do isqueiro que ouço alguém sorrir...

Martinho